Como surgiram as romarias? Os caminhos traçados pela fé e devoção
Todos os anos milhares de romeiros percorrem quilômetros até o Santuário Nacional de Aparecida, fortalecidos por amor e esperança por Nossa Senhora
Por Ana Patrícia Marinho

Mais de 35 mil romeiros caminharam rumo à Aparecida pela Rodovia Presidente Dutra, de acordo com a PRF | Foto: Ana Patrícia Marinho
O mês de outubro é um dos mais aguardados pelos católicos brasileiros. Todo dia 12 desse mês é celebrado por eles o Dia de Nossa Senhora Aparecida, a Santa nomeada Padroeira do Brasil. Foi nessa data, no ano de 1717, que três pescadores desesperançosos com uma pesca produtiva encontraram a imagem de Aparecida no Rio Paraíba do Sul e, logo em seguida, capturaram tantos peixes em suas redes que tiveram que retornar à terra firme com medo de tombarem a embarcação. De acordo com os registros históricos, os pescadores Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves consideraram o feito inesperado como um milagre da Virgem Maria.
Desde então, a Padroeira foi reunindo cada vez mais devotos que, anualmente, realizam as tradicionais romarias ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, localizado na cidade de mesmo nome da Santa, no interior de São Paulo. As peregrinações rumo à catedral ocorrem desde o início do século XIX, segundo os levantamentos do próprio Santuário. A partir de 1817, as expedições religiosas em homenagem à Mãe de Jesus começaram a acontecer a partir de diversos meios de transporte, como trens, cavalos, burros, cargueiros e caminhões com romeiros em suas carretas.
No entanto, os deslocamentos com motivações religiosas surgiram séculos antes e há muitos quilômetros de distância. Os primeiros registros apontam para a primeira metade do século XIII, quando os católicos passaram a denominar as jornadas sagradas que faziam em direção à Terra Santa ou à Roma, matriz da Igreja Católica Apostólica Romana, como as ‘romarias’. Elas eram organizadas não só para que os cristãos percorressem os territórios considerados por eles sagrados, mas, também, para atingirem a expiação dos pecados ou até mesmo para cumprirem as punições impostas pela Igreja.
O doutor em História Moacir José dos Santos, professor da Unitau (Universidade de Taubaté) analisa o início das jornadas religiosas na história da humanidade. “A origem das romarias tem relação com o próprio início do Cristianismo, na medida em que a religião foi expandida e se fortaleceu, estabeleceu locais de culto e de devoção à figuras marcantes na história da religião desde os primórdios. [...] Quando analisamos de uma maneira mais ampla esse tipo de deslocamento de pessoas no espaço para exercerem a sua fé, ocasionalmente, há a relação entre esse movimento com o messianismo, especialmente com a ideia de final dos tempos ou de uma transformação radical na realidade a partir de uma intervenção divina”, afirma.
O professor Moacir, cita, ainda, algumas ocorrências desse tipo de atividade na história brasileira. “No Brasil, o exemplo mais conhecido é Canudos, na Bahia, em que muitas pessoas migraram para aquela localidade no final do século XIX com a expectativa de mudança de vida. A própria região do Contestado, também, entre Santa Catarina e o Paraná é um outro exemplo brasileiro de messianismo ligado à fé”, destaca o historiador.
Além disso, o filósofo José Maurício Cardoso do Rêgo, especialista em Ciências Sociais, faz uma análise da recorrência dos movimentos messiânicos na comunidade ao longo do tempo. “Sociedades que são muito conservadores, geralmente, creditam ao sobrenatural a coordenação e o direcionamento da história”, destaca Maurício, também professor da Unitau. “Então, é muito comum que, diante de grandes projetos ou de grandes frustrações históricas, esses acontecimentos sejam creditados a ação de um ser sobrenatural ou divino, que, por sua vez, pode assumir dois papéis: o de sujeito determinante da história pois há a crença de que essa divindade será a responsável pela implementação de mudanças; ou o de promotor da esperança, haja vista que, diante da resignação do fenômeno, é proposta a perspectiva de algo que está por vir, que pode acontecer. Essa fé numa esperança religiosa, ‘do vir a ser religioso’ é o que caracteriza o messianismo, encontrado em grupos tradicionais e resistente às interferências históricas”, completa.
Caminhos de fé e devoção
Com o tema "Mãe Aparecida, acolhei-nos como peregrinos da esperança", o Santuário de Aparecida atraiu mais de 320 mil devotos na Festa da Padroeira deste ano de 2024, entre os dias 3 e 12 de outubro, segundo o próprio Santuário. E ainda, mais de 35 mil romeiros caminharam rumo à basílica por meio da Rodovia Presidente Dutra, de acordo com os levantamentos da PRF (Polícia Rodoviária Federal).
Motivados apenas pela fé e pelo amor que sentem por Nossa Senhora, os peregrinos percorrem dezenas de quilômetros rumo ao Santuário visando agradecerem pelas graças que obtêm ao longo da vida e pedirem por amparo da Mãe Aparecida. “Ela [Nossa Senhora de Aparecida] é a nossa mãe e sempre que precisamos, recorremos a ela e ela nunca nos desampara”, explica Juliana Santos, romeira paulistana que encarou a caminhada de São Paulo até Aparecida, ao lado do marido, Antônio Santos, para agradecer pelas bênçãos que a Padroeira proporcionou e proporciona na vida dela e de seus familiares.
Ao longo da primeira quinzena de outubro, a rodovia Presidente Dutra contou com diversos pontos de apoio aos peregrinos e que foram promovidos pelas comunidades das cidades no entorno.
Confira abaixo o relato de Juliana, de Antônio e de outros dos milhares de romeiros que fizeram o trajeto neste ano:

